UM POUCO DE HISTÓRIA E MOTIVADORES PARA TER O LEDS

"Criatividade é inteligência, divertindo-se" Albert Einstein

RAZÕES QUE MOTIVARAM O LEDS

O texto presente nesse capítulo é parte do o artigo "LEDS: Um Ambiente para Impulsionar o Aprendizado em Computação" apresentado no XXXIV Congresso da Sociedade Brasileira de Computação - CSBC 2014. Para maiores informações leia o artigo.

Na área de computação, a atividade de desenvolvimento de sistemas está em plena expansão e é cada vez maior a demanda por recursos competentes, ferramentas de apoio e métodos e processos capazes de resultar em produtos de alta qualidade. Isso pode ser comprovado pelo alto investimento realizado no setor de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) no Brasil, que movimenta em média de US$ 10 bilhões por ano e emprega mais de 100 mil pessoas [Nascimento e Almeida 2006]. Apesar de tamanho investimento no setor, ainda há um déficit estimado de 140 mil profissionais qualificados [Softex 2009].

Muitos são os fatores que podem ocasionar essa deficiência de profissionais qualificados no mercado e uma delas pode ser a própria formação dos alunos nos cursos de computação. Em muitos casos, há uma forte formação teórica e pouca experiência prática e mesmo as existentes costumam ser muito simplórias e em disciplinas isoladas, não permitindo ao aluno ver o processo como um todo e lidar com diferentes pessoas em uma equipe, como ocorreria em uma empresa. Assim, surge a seguinte indagação: “Como possibilitar aos alunos vivenciar experiências práticas para que possam aplicar os conhecimentos do curso em uma situação similar a uma empresa?”

Essa preocupação da relação entre teoria e prática não é de agora. O filósofo e pedagogo Jonh Dewey [Pombo 2004] estudou os pressupostos que conhecemos por educação progressista, que pressupunha que a educação serviria para orientar os educandos em busca das respostas e soluções para os seus problemas, por meio da experimentação. Para o filósofo, o conhecimento se iniciava com o próprio surgimento do problema e se desenvolvia com a resolução da situação problemática, o que possibilitava a aprendizagem [Fávero e Nunes 2011]. A partir desses pressupostos, o americano William H. Kilpatrick [Beineke, 2011] desenvolveu e sistematizou o que se conceituou “método de projetos”, tendo como princípios: a situação problemática (o projeto se inicia a partir de um problema que interessa o aluno), a experiência real anterior e a eficácia social (a boa convivência deve ser um de seus objetivos). Trabalhar com projetos não apenas ajuda o aluno a praticar o que viu na teoria, mas vai muito além. Segundo [Fávero e Nunes 2011], os projetos permitem a interdisciplinaridade, uma vez que conteúdos de diferentes disciplinas são trabalhados de forma conjunta, e a transdisciplinaridade, uma vez que outros aspectos que muitas vezes não constam no contexto das disciplinas perpassam o projeto. Outro aspecto de suma importância é a colaboração e a cooperação entre os diferentes sujeitos (alunos e professores), visando atingir um objetivo em comum.

Devido à necessidade do mercado por profissionais qualificados e dadas as potencialidades de se trabalhar com projetos, algumas Universidades e Institutos Federais têm criado fábricas de softwares acadêmicas. Dessa forma, a academia pode se aproximar da indústria, tanto no conhecimento teórico quanto no conhecimento prático e, assim, agregar valor ao profissional formado [Rodrigues 2013].

Dentro deste contexto, nasceu o projeto Leds (Laboratório de Educação de Desenvolvimento de Soluções, http://leds.sr.ifes.edu.br) em 2012, que é uma iniciativa de professores da Coordenadoria de Informática e do Núcleo Incubador do Campus Serra (NIS), com o objetivo de criar um ambiente experimental, similar a uma empresa de desenvolvimento de sistemas, fazendo a ponte entre teoria e prática e propiciando um ambiente integrador entre docentes e discentes. Em 2014, a coordenadoria de informática aprovou a evolução do Leds para o status de programa e, assim, tornado o Leds um programa do IFES/Serra. O Leds tem como pilares o tripé ensino, pesquisa e extensão, por meio dos quais pretende possibilitar que alunos e professores possam trabalhar em conjunto em um ambiente multidisciplinar e movido a projetos, proporcionando aprendizados e inovações.

HISTÓRICO DO LEDS

Em 2011, um grupo de professores da coordenadoria de informática refletia sobre a criação de um ambiente não formal de ensino, e trabalhava na elaboração de uma proposta para criação de um projeto para tal. O projeto Leds, de natureza mista, foi aprovado, como um projeto de extensão pelo Conselho de Gestão do Campus em 2012.

Desde a aprovação do projeto, o Leds usa uma sala no Núcleo Incubador do Campus Serra (NIS), o que possibilita a alunos e professores estarem em constante contato com um ambiente de inovação e empreendedor. A localização permite refletir sobre valores e abordagens diferentes, o que dificilmente seria possível em um ambiente puramente acadêmico. Após o estabelecimento do Leds no NIS, em maio de 2012, surgiu a proposta de se captar projetos experimentais junto à comunidade do próprio campus. Dessa forma, foi proposto e desenvolvido um projeto piloto chamado Tibico, de um sistema de registro acadêmico. O propósito era o de prover um sistema que dá suporte ao cadastro de alunos, professores, disciplinas entre outros, além do controle de notas e frequência. Embora o campus já contasse com um sistema similar, e não houvesse a intenção de substituição, a escolha se justificou por representar um domínio de problema conhecido pelos alunos e a oportunidade de se apresentar melhorias e inovações. O projeto piloto serviu como apoio na elaboração de um processo de software e um conjunto de práticas a serem exercidas no Leds. Tais práticas devem ser observadas com atenção, pois não são simplesmente práticas de ensino, conhecidas de sala de aula, ou típicas de mercado, praticadas por tantas empresas. Neste ambiente misto, é importante trabalhar os resultados do projeto, com qualidade, mas garantido também o aprendizado, de alunos e professores, durante o processo.

Em um segundo ciclo, foi desenvolvido o projeto Kruskal, com o propósito de disponibilizar um sistema para o armazenamento e gerenciamento das atividades complementares realizadas por alunos de uma instituição, além de registrar e gerenciar eventos, como cursos e palestras, e a emissão automática de certificados. Não havia sistema similar em operação na instituição, o que permitiu sua efetiva implantação e utilização na secretaria de cursos do campus. Como diferencial deste projeto, foi possível experimentar o levantamento de requisitos orientado a processos de negócio, o que resultou uma visível colaboração e satisfação por parte dos usuários. Tanto o Tibico quanto o Kruskal foram desenvolvidos com uma equipe formada por quatro professores e seis alunos em ciclos de quatro meses.

Em 2014, o Leds começou o desenvolvimento do projeto SINCAP (Sistema de Informação para Notificação, Captação, Distribuição de Órgãos), financiado pela FAPES. O SINCAP é um projeto de Inovação Social que surgiu de necessidades da CNCDO/ES (Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do Espírito Santo) de controlar e avaliar as notificações de óbitos feitas pelos hospitais do estado para doações de órgãos e tecidos. Atualmente o processo ocorre sem apoio computacional, utilizando formulários em papel e fax, o que é muito custoso e pouco preciso. O SINCAP visa automatizar o processo com um sistema Web e Mobile. Como um projeto do Leds, uma equipe de alunos foi alocada e o primeiro módulo disponibilizado à CNCDO. Um resultado parcial foi publicado em congresso internacional.

Em 2014, o Leds iniciou um spin-off para atender demandas específicas da área de Sistemas Embarcados. Através dessa nova iniciativa, o Leds está agrupando em um mesmo projeto alunos e professores dos cursos de Sistemas de Informação e Engenharia de Automação.

DADOS SOBRE MELHORIA DA QUALIDADE DO ALUNO

Buscando identificar os possíveis impactos do Leds no aprendizado dos alunos, tomou-se o Bacharelado de Sistemas de Informação (BSI), principal curso dos alunos participantes. Inicialmente, buscou-se fazer uma análise quantitativa e comparativa entre as notas dos alunos que atuam (ou atuaram) no Leds, e dos alunos que não atuaram no Leds. Para realizar tal análise, foram consideradas as notas dos alunos do curso de BSI desde a sua criação, em 2010, até o final do ano de 2013. O curso de BSI é formado por 8 semestres. É importante relembrar que o Leds iniciou as atividades em 2012 e os cálculos, apresentados a seguir, levam em consideração a médias de todos alunos do curso do BSI desde o início das atividades do curso em 2010. A Figura 1 apresenta um gráfico que apresenta o desempenho dos alunos do Leds em relação aos demais.

A média geral dos alunos do BSI (excetos os participantes do Leds) é de 62,0 pontos, com uma observável evolução ao longo dos períodos do curso. Considerando-se os alunos do Leds, essa média, ao longo de todo o curso, sobe para 78,3 pontos, mostrando um rendimento 26% melhor. Entretanto tal comparação é injusta, considerando-se que os alunos passam por um processo de seleção para ingressar no projeto e a tendência é que os melhores candidatos sejam selecionados. Dessa forma, em uma análise mais detalhada, constatou-se que os alunos do Leds, antes de entrarem no projeto, já possuíam uma média superior aos demais (linha “Pré LEDS do gráfico da Figura abaixo). Isso demonstra eficácia do processo de seleção e dá base para as demais análises.

Continuando a observação do gráfico, percebe-se que os alunos, ao longo de seu estágio no Leds, obtiveram médias ainda melhores quando comparadas às anteriores ao projeto. E essa evolução continua mesmo quando o aluno encerra sua participação no projeto (linha “Pós LEDS” do gráfico), o que supõe a aplicação do conhecimento acumulado no projeto, mesmo depois de encerrado o seu vínculo. A melhoria no rendimento dos alunos após seu ingresso no Leds indica que o projeto tem influenciado positivamente no aprendizado dos alunos.

Porém, apesar dos resultados favoráveis, analisar apenas as notas não mostra necessariamente o impacto do Leds no aprendizado desses alunos. Sendo assim, se por um lado bons alunos podem estar sendo selecionados, por outro, muitos outros excelente alunos podem estar deixando de participar da seleção pois são absorvidos por estágios, projetos científicos ou outras atividades remuneradas.

Ainda assim, consideramos necessário ter outros olhares para embasar mais essa avaliação, tanto em uma perspectiva quantitativa, como qualitativa. O passo seguinte foi verificar com os professores do curso BSI se enxergam o impacto do Leds nos alunos que frequentam suas disciplinas. Para tal, foi elaborado um pequeno questionário online e enviado aos professores. Foi considerado aqui um total de 23 professores efetivos. Apesar do quadro de professores da coordenadoria ser maior, alguns foram desconsiderados por não darem aula para tal curso, ou porque eram substitutos e hoje não estão mais na instituição ou mesmo porque estão afastados para programas de pós-graduação ou licença maternidade. Deste total, 10 professores responderam a pesquisa.

A primeira pergunta visava identificar se os professores tinham conhecimento de alunos matriculados em suas disciplinas (atuais ou passadas) que atuem (ou tenham atuado) no Leds. Dos 10 professores, oito responderam que sim.

A segunda questão foi em relação ao rendimento dos alunos que atuam no LEDS. A maioria dos professores (6) considera que os alunos que atuam (ou atuaram) no Leds estão entre os 20% melhores. Dois consideram que estão entre os 50%. Nenhum professor citou que estes alunos estão na média ou abaixo. Vale ressaltar, que os dois professores que citaram “Não sei” foram justamente os que na pergunta anterior responderam que não tinham conhecimento de alunos em suas disciplinas que haviam atuado no Leds. Sendo assim, se considerarmos apenas os outros oito, temos que todos consideram os alunos do Leds entre os 50% melhores da turma, sendo que 75% deles os considera entre os 20% melhores. Esse resultado corrobora com o que foi obtido por meio da comparação quantitativa das médias dos alunos.

A terceira pergunta era “Você considera que o Leds pode estar contribuindo para um melhor desempenho dos alunos nas disciplinas?”. Também foi pedido que os professores justificassem sua resposta. Todos os oito professores que identificaram em suas disciplinas alunos do Leds responderam “Sim”. Inclusive, dos dois professores que não conheciam alunos do Leds, um respondeu talvez (por essa razão) e outro respondeu sim, justificando que apesar de não os conhecer, considera que “a aplicação pratica do conteúdo visto em sala de aula ajuda a fixar o conhecimento e o desenvolvimento do aluno”. As justificativas dos demais professores constam, de forma resumida, na tabela abaixo. Como cada professor pode ter citado mais de um aspecto, a quantidade total é maior que 100%.

Justificativas dos professores (questão aberta) Quantidade
Os alunos do Leds são mais interessados e atentos nas aulas, participam mais, fazem mais perguntas 4
Conseguem relacionar mais facilmente a teoria com a prática 4
Tem desempenho melhor nas avaliações e aprendem mais rápido 3
São mais autônomos e organizados 2
Maior capacidade para formular e resolver problemas. Produzem trabalhos mais interessantes 2
Conseguem ter a visão de projetos como um todo 1
Conseguem trabalhar melhor em grupo, de forma cooperativa 1
Chegam na disciplina com uma bagagem maior de conhecimentos 1
Adquirem um perfil empreendedor 1

Pode-se ver que os professores percebem importantes competências e habilidades nos alunos do Leds, dando destaque ao fato de serem mais participativos, conseguirem relacionar melhor teoria e prática e terem um desempenho melhor.

Justificativas dos alunos Quantidade
Permite a vivência prática dos conteúdos aprendidos no curso 11
Adquirem novos conhecimentos no Leds e depois apenas consolidam nas aulas (alguns nem são dados nas aulas) 4
Permite enxergar o todo do desenvolvimento de Software e não partes isoladas, como nas disciplinas 3
Permite vivenciar os aspectos não vistos nas disciplinas, como a parte mais comercial 1
Incentiva a pró-atividade e busca por novos conhecimentos 1
Aprendem a se organizar mais, uma vez que os prazos precisam ser cumpridos 1
Aprendem a lidar com um cliente real 1

Um outro olhar que julgamos muito importante obter é o dos próprios alunos do Leds. Sendo assim, foi elaborado um formulário online para ser respondido tanto pelos alunos atuais (8), como pelos ex-alunos (12). Destes 20 alunos, 11 responderam.

A primeira pergunta questionava quanto tempo atuam (ou atuaram) no Leds. Um respondeu “menos de seis meses”, três responderam “mais de um ano” e a maioria (sete), respondeu “entre 6 meses e um ano”.

A segunda pergunta foi: “Você considera que sua atuação no Leds tem contribuído no aprendizado de disciplinas do curso?”. E foi pedido para que justificassem sua resposta. O resultado foi muito positivo: 100% dos alunos responderam “Sim”. Um resumo de suas justificativas consta na Tabela 2, lembrando que cada aluno pode ter citado mais de um item.

Como podemos ver, todos os alunos citaram que o Leds permite vivenciar na prática os conteúdos aprendidos no curso, o que é um de seus objetivos. Outros pontos muito interessantes também foram citados, como permitir adquirir novos conhecimentos e enxergar o todo, o que muitas vezes não é possível em disciplinas isoladas.

Vemos, dessa forma, que os resultados obtidos pelas notas e por meio das opiniões de professores e alunos são convergentes e apontam o Leds como importante mecanismo para ajudar no aprendizado dos alunos.

Por fim, buscamos saber dos alunos quais suas dificuldades ou limitações durante sua atuação no Leds. A Tabela a seguir mostra um resumo das respostas obtidas:

Dificuldades/Limitações Quantidade
Dificuldades com as ferramentas e tecnologias utilizadas 6
Às vezes eram necessários conhecimentos que ainda não tinham 4
Às vezes ficavam sem saber o que era para ser feito 2
Dificuldades em cumprir prazos 2
Sentiu falta de treinamentos 1

Como se pode ver, as maiores dificuldades estão relacionadas ao aprendizado de novas tecnologias e outros conhecimentos necessários, natural no início de projetos de TI. Se por um lado isso foi apontado como dificuldade, a tabela anterior mostra que a vivência prática (com ferramentas, tecnologias e métodos) foi apontada como um dos fatores que mais contribuíram para o aprendizado.

REFERÊNCIAS UTILIZADAS

Beineke, J. and William, H. Kilpatrick (1871-1965). Disponível em http:// education.stateuniversity.com/pages/2147/Kilpatrick-William-H-1871-1965.html Acesso em 13 abril 2011.

Fávero, R. P. e Nunes, V. B. (2011). “ Os projetos de aprendizagem e as TICs”. Em: Informática na Educação: Um Caminho de Possibilidades e Desafios. 1ª ed. Vitória: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, p. 161-186.

SOFTEX, Observatório (2009). “Software e Serviços de TI. A indústria Brasileira em Perspectiva”. Disponível em http://publicacao.observatorio.softex.br/_publicacoes/ arquivos/resumo/Resumo_Executivo.PDF.

Nascimento, J. D. e Almeida, A.T. (2006) “Método de Gestão de Conhecimento para a Gestão de Projetos de Fábrica de Software”. Em: XIII SIMPEP, Brasil, SP, Bauru, Novembro, 2006.

results matching ""

    No results matching ""